Difícil escrever a coluna desse mês que encerra 2012, um ano de muitas perdas e alguns ganhos.
Há exatamente uma semana, o prédio onde moro pegou fogo. Meu apartamento sobreviveu ao incêndio que começou no andar de cima (o fogo sobe), mas não escapou da água que apagou as chamas (a água desce).
Como sucede toda a semana que antecede a coluna, naquela fatídica quarta-feira 12/12/12 (confesso já andava meio impaciente com o ridículo alarde da coincidência numérica), voltava do escritório pensando sobre o que escrever. Por se tratar da coluna de encerramento do ano, queria fechá-lo com “chave de ouro” e buscava ideais originais, mas as ideias não vinham e só me lembrava do que uma vez li na coluna de Veríssimo no O Globo: quem disse que escrever é prazeroso está muito enganado, prazeroso é terminar e poder ler o que se escreveu.
Já em casa, ainda matutando o tema da coluna, veio o anúncio do incêndio. Tudo muito rápido. Foi o tempo de reunir a família, pegar a cadelinha que já se escondia embaixo da cama e sair de casa. Da rua, nós moradores reunidos, felizmente sãos e salvos, todos bastante apreensivos, torcíamos pelos bombeiros, torcíamos pelo fim rápido, torcíamos para acordar do pesadelo.
O fogo enfim foi apagado; vencidas as chamas é hora de recomeçar. Mas os dias que se seguiram têm sido difíceis. Cada morador, com seu dano pessoal, busca consolar-se porque “podia ter sido pior”. Realmente, poderia ter sido muito pior. Nenhuma vida foi perdida.
Mas 2012 não deixará de ser um ano marcado por perdas. Quando pensarmos em 2012, inevitavelmente nos lembraremos das perdas de ícones nacionais: Oscar Niemeyer, Millôr Fernandes, Chico Anysio, Décio Pignatari, Ivan Lessa, Joelmir Beting, Hebe Camargo, Wando, entre outras personalidades que contribuíram com seus talentos para escrever a História do Brasil no século XX.
Dirão muitos que a maioria dos citados eram pessoas de idade avançada e que o encerramento de suas temporadas entre nós já se prenunciava. É verdade. Não discordo. Mas suas saídas de cena apenas comprovam que a profecia maia estava mesmo certa: um “mundo” simbólico de fato chegou ao fim em 2012.
Mas se foi um ano de perdas (e poderíamos listar muitas outras mais[1]), também foi um ano de ganhos. O maior deles: o julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão) pelo Supremo Tribunal Federal, concluído no dia 17 de dezembro de 2012.
O julgamento desse processo da forma como se deu, reafirmando-se a independência dos Poderes, expurgando-se o fantasma da impunidade, é um exemplo que nos anima a não nos apequenarmos diante do aparato estatal que, lamentavelmente, como desvenda diariamente o noticiário policial, foi aparelhado e infiltrado para satisfazer interesses pessoais e/ou político-partidários.
No julgamento do mensalão o Supremo Tribunal Federal exerceu plenamente sua função de guardião da moralidade, da decência, da dignidade, dos verdadeiros valores republicanos, daquilo que a população espera que seus ministros vislumbrem como o âmago da Constituição que foram incumbidos de defender.
Concluído o julgamento do mensalão, o Supremo deverá iniciar ou retomar uma série de julgamentos envolvendo questões em matéria tributária, muitas delas já abordadas aqui nessa Coluna.
Em uma rápida pesquisa no site do STF verifica-se, por exemplo, que já está afetado ao Plenário, sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa, o RE 611.586/PR no qual se discute a constitucionalidade do regime de tributação automática dos lucros de controladas e coligadas no exterior. Trata-se de um tema de enorme repercussão no Brasil e no exterior, porque envolve a definição dos limites das pretensões tributárias do Brasil sobre lucros de empresas domiciliadas em Estados soberanos (muitos de baixo grau de desenvolvimento) cuja destinação sequer chegou a ser decidida pelos acionistas.
A Fazenda Nacional já fez de tudo para assegurar a manutenção desse regime de tributação extraterritorial que nasceu viciado por total e absoluta desproporcionalidade. Já editou instrução normativa contra legem invocando o artigo 43 do CTN (a IN 38/96); já propôs lei “consertando” provisoriamente o desacerto (Lei 9.532/97); já emendou o CTN (parágrafo 2º do artigo 43 introduzido pela LC 104/2001) buscando pretenso suporte para chamar de presunção uma ficção legal (artigo 74 da MP 2.158-35/01); já promoveu tributação retroativa de lucros não disponibilizados (parágrafo único do artigo 74 da MP 2.158-35/01); e, por fim, inovou o ordenamento jurídico através de uma instrução normativa (a IN 213/02) que introduziu a tributação do resultado de equivalência patrimonial quando própria lei que visava “interpretar” dispõe de forma radicalmente distinta.[2]
Também se espera que seja de uma vez por todas concluído o julgamento dos REs 208.526/RS e 256.304/RS que versam sobre o direito dos contribuintes ao reconhecimento dos efeitos do expurgo de correção monetária promovido pelo Poder Executivo em janeiro de 1989 (Plano Verão), assegurando-lhes que o IRPJ e da CSLL incidam apenas sobre efetivos acréscimos patrimoniais.[3]
Em matéria de tributos federais, ainda estão pendentes de solução: (i) a questão de saber se é ou não constitucional estabelecer-se um limite quantitativo (30%) à dedução de prejuízos fiscais acumulados (RE 591.340/SP);
(ii) a validade da restrição à dedução da CSLL da base de cálculo do IRPJ — restrição essa que só confirma a CSLL como um adicional do IRPJ[4] — (RE 582.525/SP);
(iii) qual a extensão do conceito de “faturamento” das instituições financeiras para fins de determinação da base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 609.096/RS);
(iv) a validade da incidência do PIS e da Cofins sobre o valor da transferência de créditos de ICMS (RE 606.107/RS);
(v) a validade da incidência do PIS e da Cofins sobre as componentes do faturamento imputáveis ao ICMS (ADC 18-5/DF e RE 240.785/MG) e ao ISS (RE 592.616/RS);
(vi) a validade do estabelecimento de limite temporal ao crédito de PIS/Cofins sobre a aquisição de bens destinados ao ativo fixo estabelecido pelo artigo 31 da Lei 10.865/05 (RE 599.316/SC);
(vii) questões pertinentes ao regime de tributação aplicável às cooperativas em matéria de PIS e Cofins (REs 672.215/CE e 597.315/RJ);
(viii) validade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins incidente sobre as importações (RE 559.607/SC).
Estes são apenas alguns casos que reputamos mais emblemáticos envolvendo tributos federais, “pinçados” de um longo rol de processos indicados como merecedores de apreciação pelo STF em razão da repercussão geral das matérias constitucionais neles versadas.
Há, ainda, uma extensa lista de processos em matéria de ICMS, de que são merecedores de destaque (i) a discussão a respeito da “guerra dos portos”[5] (RE 628.075/RJ);
(ii) a discussão a respeito do critério — material ou financeiro — do aproveitamento de créditos sobre aquisições de bens do ativo fixo (RE 662.976/RS);
(iii) a questão de saber se pode incidir ICMS sobre o fornecimento de água (RE 607.056/RJ);
(iv) a validade da cobrança de ICMS sobre “demanda contratada” de energia elétrica (RE 593.824/SC);
(v) a problemática da cobrança do ICMS nas operações de importação de bens em arrendamento mercantil (RE 540.829/SP);
(vi) a definição do Estado competente para tributar pelo ICMS as operações de importação de bens destinados à industrialização por encomenda em Estado distinto daquele onde se situa o importador (ARE 665.134/MG).
No âmbito municipal, se nos afiguram muito relevantes as discussões a respeito da (i) seletividade do IPTU antes da Emenda Constitucional 29/2000 (RE 666.156/RJ); (ii) incidência do ISS sobre o licenciamento de software (RE 688.223/PR)[6]; (iii) incidência do ISS sobre os contratos de franquia (RE 603.136/RJ); (iv) incidência do ISS sobre locação de bens móveis (AI 766.684/SP); e (v) o ISS das operadoras de planos de saúde (RE 651.703/PR).
A população deve estar atenta para essas verdadeiras batalhas que se seguirão no STF envolvendo os Fiscos federal, estaduais e municipais e os contribuintes e deve dele exigir, tal como ocorreu no Mensalão, julgamentos maduros, isentos, livres das influências e pressões estatais e, principalmente, que não se sensibilizem com as Cassandras que discursarão sobre as calamidades que abaterão os governos caso um ente público se saia perdedor em qualquer uma dessas batalhas.
Que as batalhas sejam travadas nas “quatro linhas” do campo jurídico, que prevaleça o Direito sobre a voracidade de arrecadação, pois nelas há muito a perder para os particulares, há muito em jogo: os patrimônios das empresas e de seus acionistas, os custos tributários que serão repercutidos nos preços cobrados aos consumidores de bens e serviços, a competitividade das empresas nacionais, o custo das estruturas administrativas das empresas, o preço dos bens, serviços e, fundamentalmente, das tecnologias a serem importadas.
Esperamos que o Supremo louve a proporcionalidade e zele pelos patrimônios aviltados pelos estrondosos custos tributários, pela ganância arrecadatória de um Estado que se pretende cada vez maior e que, não esqueçamos, jamais existiria não fossemos nós. A criatura não pode devorar o criador. O Supremo sabe disso.